Meus amigos

on quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
"Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida...mas é delicioso que eu saiba e sinta que eu os adoro, embora não declare e os procure sempre..." (Vinícius de Moraes)

Momentos únicos, momentos de felicidade, de alegria. Estes são deveras importantes para nós, para enriquecer nossa vida, para derrubar as nossas tristezas e para nos ensinar que a vida é importante, repleta de pessoas importantes, de amigos. Mesmo que seja difícil ou que não seja fácil dizer "eu te amo", "você é muito importante para mim", é sabido, está intrínseco em cada um de nós que tais frases são ditas em surdina com um clamor elevadíssimo. O olhar, as palavras, os pequenos gestos quase imperceptíveis tem um poder de voz incrível. Por isso, não se deixem levar pela onda frenética dessa vida louca e corrida. Quando puderem, vejam seus amigos o máximo possível!

A luz

on sábado, 8 de agosto de 2009
Que caverna escura, suja! Como vim parar aqui? Não me lembro. Para onde quer que eu olhe, só vejo trevas, nada mais. Apenas escuto estalidos. O que poderia causá-los? Talvez seja os morcegos. Morcegos! Detesto morcegos, o que faço, para onde me dirijo? Sinto meu coração palpitar muito rápido, meu suor frio banhar-me, meu corpo tremer. Quero andar, mas não consigo. Vou sentar um pouco, talvez me acalme.
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O que é isso! Socorro, alguém... alguém me ajuda! Ele está aqui para me atormentar. É ele, eu tenho certeza: o Medo. Não levante a cabeça, não levante, não levante, não levante, não levante. Que droga, será mesmo o meu fim? Espero que não. Que estranho, as minhas costas parecem estar encostadas em algo confortável. As pedras incômodas não se encontravam ali. O que poderia ser? Essa pequena curiosidade meio que me tranqüilizou. Levantei-me. Deixe-me ver, melhor dizendo, sentir. Hum, não poder ser, é um caixão!! Será que tem mais... dois, três, quatro... mas que lugar é esse, eu quero sair daqui, eu... minha respiração... sinto-me sufo... ca ...do, al...guém...
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Estou deitado. Provavelmente, devo ter morrido. O que é aquilo? Minha vista está embaçada, mas tenho certeza de que é uma luz. Eu tenho que me aproximar. Vamos, corpo desgraçado, vamos! Não adianta, não se move. Uma lágrima? Não, não vou chorar, não vou... uma gota significaria entregar a vitória ao Medo. A dor é grande, muito grande, mas vou resistir.

A luz está se aproximando; a dor diminuindo. Como pode? Será alguém com uma lanterna apenas? Não, não é isto. Essa luz tem algo diferente das outras luzes. Sinto-a transpassar todo o meu corpo. Ela parece purificar tudo ao seu redor. Preciso chegar perto, chegar perto.

Então, esta é a origem da luz. Agora, quero ficar nesta caverna. Ficarei deitado ao seu lado. Não vou deixar ninguém machucá-la. Neste mundo em que vivemos, até mesmo você pode salvar uma vida, pode acalmar corações atormentados, pode fazer milagres. Quando é que eu poderia imaginar o seu surgimento aqui, onde a noite é eterna? Agora, posso sorrir e ficar em paz. Obrigado, querida Rosa Branca.

Receita

on terça-feira, 12 de maio de 2009
Bom dia, boa tarde, boa noite. Você não está se sentindo bem? Seus dias tem sido um saco – vazio, murcho? Andou mal de saúde? Bem, preste atenção.

Aqui, nesta panelinha branca, você irá ver os ingredientes e o preparo. É bastante simples. A primeira coisa a fazer é acreditar que vai dar certo. Em seguida, deposite naquela a agonia, os medos, as raivas, os choros, as irritações e agite-os. O cheiro emanado não será nada agradável. É assim mesmo, falta ingredientes.

Coloque, para finalizar, suas risadas, suas idiotices, seus sonhos, seus prazeres e seus desejos. Isso basta. Misture bem. Olhe para a panela branca. Sinta o cheiro, sinta a vida. Se o quiser agradável, é bastante simples: encoste a panela branca sobre o peito, feche os olhos, respire fundo... é só querer, é só acreditar.

Delicado

on quinta-feira, 19 de março de 2009
São 6 horas. Acordo-me com o irritante tocar das panelas no fogão, com o arrastar de chinelas da dona de casa, com o ruído mais perturbador do motor do carro ou da moto do vizinho. Ponho-me sentado na cama a adquirir, pouco a pouco, a esperteza natural de cada indivíduo ao raiar do sol, que não vejo, já que durmo num quarto fechado. Durante alguns minutos, fico a pensar na vida, em como será meu dia.

Meu nome é Bernardo. Minha mãe, analfabeta, cuida de mim sozinha sem medir esforços em dar todos os materiais necessários a minha formação intelectual. Em meu quarto, uma gama de livros e revistas encontram-se desorganizados. Os mais lidos são as revistas em quadrinhos. Mamãe, mesmo ignara, sabe da incapacidade do material de transmitir informações decentes. Costuma dizer: “Meu filho, vai estudar, fica só nesses quadrinhos!”. Eu ouvia fingindo não ouvir. As minhas notas no colégio, quase sempre, beiravam o dez. Ainda assim, não adiantava. Não podia reclamar, pois a preocupação materna sentir-se-ia ofendida e triste. Simplesmente, seguia naturalmente a rotina pacata de estudante. Acordava seis horas, chegava ao colégio às sete e voltava a casa às doze da manhã. À tarde fazia o dever de casa e à noite ia mergulhar nos quadrinhos. Estes, em sua maioria, tratavam de temas amorosos, situações constrangedoras entre amigos que terminavam namorando. Viajava bastante, imaginava-me no enredo ilustrado e imaginava-me tomando coragem para aproximar-me mais intimamente de alguma moça bonita do transporte público ou da minha classe. No entanto, nenhum acontecimento inédito desenrolava-se em minha vida. Às vezes, via o meu corpo no espelho mais morto do que vivo. Era como se tivesse nascido da própria terra, num parto forçado, escavado com minhas mãos. Já me via jazido, no chão do quarto, inerte, medroso, nervoso, pensando... Chega! Ficar nessa morbidez não me levará a lugar algum. Preciso tomar uma atitude o quanto antes! Havia decidido. Ia declarar-me a ela. Ela, tão cândida, tão quieta, sentada em sua carteira lá na frente, perto do professor. Seus olhos azuis eram hipnóticos. Diversas vezes, embriaguei-me vislumbrando seu corpo, suas pernas, sua barriga tão bem feita, sua... Ah! Como é linda esta mulher. Como é... Linda. E eu, será que sou lindo o bastante? Não possuo olhos azulados e um corpo muito esbelto. Eu acho haver nela uma afinidade por homens mais fortes, fortes o suficiente para suster e levar seu delicado corpo a um estado ébrio e delirante. Eu, infelizmente, sou fraco, quiçá, delicado feito ela. Desse jeito, não a faria adquirir o gozo pleno e satisfatório.

Certo dia, quando retornava a casa na “Topic”, vi uma garota delicada – lembrava-me aquela - sentada próximo ao motorista, longe dos outros passageiros suados, do odor pútrido, do aperto, do desconforto e do, de vez em quando, inevitável conspurcar do corpo das moças incautas, tocadas pela parte mais íntima dos homens. Alguns destes são dissolutos, não tentam respeitar a difícil privacidade delas. Eu procuro ficar distante por demasiado respeito. Contemplar é o que faço. O balouçar dos seios, a largura da cintura, a barriguinha bem trabalhada, os olhos, o nariz, a boca são características detalhadamente observadas. Porém, o que mais perscruto são suas ações, seus pequenos gestos, pois isso mostrará um pouco do seu interior, se é gentil, se é maldosa, se está calma, se está estressada. Afinal de contas, do que adianta ficar boquiaberta perante carnalidade exuberante, se ela não demonstra uma boa conversa, se ela não demonstra mistério. Este, para mim, é a pitada derradeira para finalizar o tempero da boa sensualidade.

Seu nome é Helena. Eu tinha pensado em entrar numa academia para adquirir um corpo forte, para assim carregá-la em meus braços. Mas não achei mais necessário. Usaria a minha aparência horripilante para testá-la. Se fosse legal, receber-me-ia; se não, ignorar-me-ia. Finalmente, tomei a decisão de ir até ela, aos poucos. Eu sentava lá no fundão da sala. Passei a sentar na carteira atrás dela. Durante uma semana, fiquei a observar as suas atitudes, a escutar suas conversas. Ela falava pouco. Uma de suas amigas convidou-a para ir a uma festa noturna. Ela não quis. Tratavam de assuntos pouco relevantes para mim. Por exemplo: o modo que determinada menina ficava ao usar um vestido, ou uma minissaia.

Terminado o período de observação, parti para o campo da ação. Intrometi-me num assunto relacionado aos namoros de pouca duração. Elas reclamavam da infidelidade, da indelicadeza e da ausência de romantismo. Perguntei a elas, quer dizer, afirmei a elas que ainda existe uma pequena parcela de homens fiéis, que... - uma delas me interrompeu: “Quem, não vejo um!”. Respondi firme: “Eu sou assim!”. Elas começaram a rir. Calei-me.

No dia seguinte, já esperava um olá de Helena. Enganei-me. Ela convidou-me para sair. Logo pensei: “Já?! Não era eu que deveria fazer tal convite?”. Sim, era. Estranhei. Aceitei. O local era sua casa.

Cheguei. Eu estava extremamente nervoso. Quis livrar-me dos pensamentos libidinosos, mas era quase impossível. Ele ergueu-se rapidamente e não queria relaxar. Se ela visse, seria o fim sem mesmo termos começado. Ela abriu a porta e pediu que eu ficasse a vontade, relaxado. Quando sentei no sofá da sala, a tranqüilidade distante pouco a pouco se aproximava. Ela gritou do seu quarto: “Bernardo, vem aqui!”. Em poucos segundos me encontrava sentado numa cadeira ao seu lado. Pedia-me a explicação de uma questão de biologia. Tentei explicar... não dava... vestia uma camiseta transparente, seus seios a mostra, tão lindos... uma minissaia... melhor seria ter ficado nua logo. Que visão esplêndida. Vislumbrava mais seu frágil corpo do que a profundidade de seu olhar. Ela deve ter percebido e deve estar pensando o quanto sou pervertido. Isso já não me importa. O que tiver de ser, será. Após o esclarecimento da dúvida, fomos assistir um filme. Ela deitou-se. Fiquei sentado na beira da cama. O filme acabou e ela disse: “Bernardo, já está tarde. É melhor você ir embora”. Tem razão, disse um pouco triste. Despedi-me. Quando dobrava a esquina, um carro passou por mim. Dentro havia três rapazes. Estacionaram em frente à casa de Helena. Nesta, eles entraram...