Tempestade Final

on quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Mas em sua frente não conseguia ver nada além da criança, o que o perturbava. Não tirava seu olhar dessa. Ficou a observá-la por bastante tempo até finalmente tomar uma resolução: começou a caminhar na direção daquela, mesmo sem ter em mente um motivo para aquilo, não que lembre de ter-se posto algum. Simplesmente, suas pernas começaram a mover-se, mais por instinto do que por razão. Seus pés não pareciam mais tão tristes e tão incomodados com os passos alheios. Seu sangue circulava mais rápido, mais vivo; em sua visão era perceptível um brilho ainda introvertido. E chegou, chegou perto da criança.

Acocorou-se para nivelar sua altura com a dela. Esta, por um instante, levantou sua cabeça para ver quem era o estranho, logo a abaixando novamente. Ao perceber que ele não ia embora, voltou a erguer o rosto, cuja palidez era camuflada pela impetuosa Tempestade. E os dois encararam-se. Sem hesitar, ele abriu os braços e envolveu aquela com estes. Era um abraço, um abraço. Sem hesitar, também, finalmente fechou os cansados olhos. E a Felicidade em seu rosto esculpiu um sorriso...

Ao levantar as suas pálpebras, notou que o ambiente em seu redor havia mudado completamente. Achava-se sentado numa cadeira de balanço na varanda de uma casa. O céu estava limpo e a rua repleta de passantes. Porém, não era a tela de seus sentimentos.

Sem notar, suas lágrimas, que saiam de seus olhos e que caiam sobre seu peito descoberto e senil, faziam retumbar em seu coração a Tempestade de angústias e de arrependimentos, os quais pincelavam naquela um retrato, um retrato de uma vida, de uma vida quase morte.

Tempestade II

on domingo, 22 de agosto de 2010
... A saída para outro mundo. Não sabia como ele poderia ser, talvez fosse pior, mais castigado, mais frio. Mas poderia ser melhor. Receava um pouco em arriscar uma ida que não tivesse uma volta segura. Se bem que não lembra muito bem do sentimento de segurança. Suas lembranças da infância sumiram, melhor, não queria lembrar. Foram momentos de felicidade os quais não retornarão mais. Não tinha essa esperança. Não, não. Tinha esperança sim. Ela não se manifestava sempre, não andava sempre de mãos dadas com ele, porém, vez ou outra, empurrava-o, dava-lhe conselhos escutados apenas por ele. E seguia. Não poderia pensar ser esses ruins, pois pensava que tudo advindo dela é bom.

Chegou, finalmente, onde a luz frouxamente clareava. Viu uma criança sentada no chão, encostada num muro, abraçando suas pernas, de cabeça abaixada. Estava chorando. E ele ficou olhando apenas, sem saber o que fazer. As gotas, de agulhas frágeis e sem força, passaram a pesadas pedras de martírio.

O barulho delas sobre o asfalto confundia-se com o choro incontido daquela. Ele procurava em seus devaneios uma explicação para sua esperança tê-lo conduzido até ali. Que atitude essa espera dele? Onde seus passos inertes objetivam estar? Essa criança quer dizer-lhe algo?...

Muitos questionamentos vieram tirar-lhe a calma e a passividade, as quais o envolviam há muito tempo. Ele simplesmente vagava em busca de algo, em busca de uma resposta. Esta, quiçá, estivesse em sua frente...

Tempestade I

on sexta-feira, 20 de agosto de 2010
A chuva caía fina. O céu estava coberto por densas nuvens negras. A rua encontrava-se um pouco solitária, praticamente deserta. Poucas pessoas a caminhar, algumas com, outras sem uma sombrinha ou uma capa que as protegessem das gotas que mais pareciam agulhas frágeis e sem força.

Ele estava sentado numa calçada. Observava os passantes, a negritude, as sombras e o feixe de luz gritando desesperado e com medo. O cenário desnudava-se, exibindo impudicamente a passagem pela qual viria a caminhar imponente e irreverente ela: a Tempestade.

O rapaz fazia parte do grupo de indivíduos sem proteção. Porém, diferente dos demais ao seu redor, apresentava-se maltrapilho e só. Só? – pensou. Enquanto refletia sobre isto, seus olhos iam perdendo a pouca vivacidade que tinham, suas mãos, sujas, não tinham coragem de tocá-lo e de encará-lo, seus pés, descalços, choravam ao escutar o reboar frio dos passos tristes e pesados dos transeuntes e seu coração temia ser atingido pela frígida sensação da morte, da morte social.

As pessoas, ao se aproximarem dele, direcionavam em sua direção o olhar, o qual logo rumava noutra direção. Ele, para aquelas, parecia ser o nada, para onde em um nado desenfreado elas descobririam apenas o desespero de uma realidade da qual não fazem parte, mesmo cruzando-a diariamente.

Não se entristecia com isso. A vida que levava calejou seu coração, cujas emoções, não todas, outrora espontâneas, foram perdidas. Sua visão, cansada, via simplesmente e sem muito esforço apenas o preto e o branco. O seu Dia possuía vestimentas de cores desobedientes, pálidas. Constantemente pensava, pensava na vereda a ser trilhada após levantar-se, após dizer à Inércia suas inquietações, após ver uma luz mais serena, mais calma, a iluminar timidamente, sem muita energia algo que parecia ser a saída...