Lua Cheia II

on sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Seu semblante mudou. Seu pequeno sorriso sumiu. Voltou à realidade, à sua perturbante realidade. Dirigiu-se à porta e abriu-a com um gesto impaciente. Era seu irmão que o olhava com um olhar pedinte, cansado.

- O que é? - perguntou num tom grave
- Nada... só queria saber se tu tem um lápis que me empreste
- Não sei, espera aí... - abriu o estojo novamente e deste pegou um lápis desgastado, bem velho, em que não havia mais espaço para segurar firme com as mãos
- Pegue, é o único que tenho
- Tudo bem... obrigado
- Tá - e fechou a porta antes do seu pequeno irmão completar a palavra de agradecimento

Incomodou-se. Começou a indagar-se o porquê de agir tão duramente. Gestos grosseiros e frases arrogantes, curtas... sem sentimentos. Fitava o chão, cabisbaixo, e via seus pés descalços, livres, sujos. Não cuidava bem deles. Algumas imagens de seu passado o tragaram para uma sala escura, solitária. Sentado num banco, no centro da sala, ele estava completamente absorto. De repente, uma grande luz, projetada na parede defronte dele, exibia uma forte claridade que, aos poucos, teve sua intensidade diminuída. Ele havia protegido a visão daquela com o seu braço direito. Quando notou a suavidade na qual a brilho estava mergulhado, devagar desvelou a vista.

Na grande tela, algumas cenas aleatórias de sua vida perpassavam-no. Elas fizeram-no, subitamente, derramar lágrimas, cujas gotas, uma a uma, iam iluminando e abrindo o caminho que deveria seguir. Era uma trilha nova, diferente, mais frondosa e viva. Esta estava na grande tela. Só ela, agora, a única cena que se mostrava. E ele continuava sentado, porém numa sala mais iluminada pelas gotas doridas e arrependidas, as quais, sem expressar qualquer palavra, lutavam para ajudá-lo a seguir em frente.

Levantou-se e começou a caminhar em direção a envolvente tela. Para adentrar à nova vereda. Precisava, somente, de um movimento: o de abrir uma porta. Ao se aproximar, sentiu o peso desta. Emitia uma onda repulsiva, como se quisesse testar a força dele. Respondia fincando seu pés no chão, mais limpos. Segurou a maçaneta, fechou os olhos e... toc, toc, toc!!

Ao abrir os olhos, espantara-se. Tremia. Tinha-se desenhado em sua face um semblante pungente. Tentou em vão retirar o peso mofino de suas costas. Descerrou a porta. Era seu irmão novamente. Veio devolver o inútil lápis.

- Tá tudo bem? - indagou o irmão surpreso, segurando o lápis
- Sim, sim... tá tudo bem - respondeu desconcertado ele
- Então tá... o lápis
- Tá...

E fechou a porta. Ainda segurando a maçaneta, cerrou a vista e num movimento impulsivo e inesperado, largou o lápis, saiu do quarto e chamou o irmão com voz trêmula. Ao avistar este, ficou um tempo parado, hesitante. Não compreendia muito bem a loucura das suas sensações, das suas vontades há tanto tempo comprimidas. Não era necessário a compreensão. Era sim, necessária, a ação, a atitude.

Caminhou mais tranquilo na direção de seu irmão e o abraçou. Suas pungentes atitudes de outrora dispersavam-se em pranto incessante. Pediam desculpas e um recomeço na nova vereda.

A porta, cuja abertura dava acesso à natureza bela do recomeço, não atirava mais suas ondas repelentes. Sentia agora a calmaria. Sentia-se mais seguro, mais robusto. Não quis olhar para trás. Seguiu em frente a vereda frondosa, ele e seu irmão, ambos esbanjando o mais sereno, inconstante e bonito sentimento: a Felicidade. E para a lua cheia esta jorrava seu clamor fulvo, cujo reflexo tentaria distribuir, para outras pessoas cobertas pelo rebuço negro e frio, os sãos e bons sentimentos tocados por ele, que deitado estava, em seu quarto, sonhando em como concretizar seus sonhos, que pareciam tão impossíveis de alcançar.

E a lua cheia ainda o guardava... toc toc toc!

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