Momento mágico e raro. Daqueles que são
poesia, que nos fazem entender a poesia e escrever algo poético também. Em uma
tarde aparentemente banal, daquelas que fazem a função da manhã após esta ter
se tornado noite e a noite ter se alongado um pouco. Quando a preguiça ainda
nos acorrentava à cama, tudo aconteceu.
A chuva começou a cair inesperadamente
e, de um pulo, levantamos. O telhado-peneira causou esta primeira preocupação.
Eu, no entanto, estava tranquilo com aquele barulho característico de gotas
nervosas nas telhas. A chuva me faz relaxar, triplica minha preguiça e gera em
mim o pretexto de dormir até que ela cesse, como se o mundo inteiro parasse para
vê-la cair e eu também tivesse que respeitar religiosamente esse momento. Veio,
então, o convite: “Vamos tomar banho de chuva?”. Minha imensa vontade de curtir
esse fenômeno da natureza deitado e bem agasalhado me fez negá-lo prontamente. Decidiu
ir sozinha. Por uns instantes fiquei pensando no porquê de não ir junto. Por
que eu perderia aquela oportunidade especial de tomar banho de chuva com ela? Então,
levantei e fui. Encontrei-a no corredor, molhada e estonteante. Estava vindo me
chamar novamente.
O sorriso no rosto, a pressa em voltar logo para a chuva e a sua
vontade que eu fizesse parte daquele momento me deixaram impressionado. Em
passos rápidos, conduziu-me até a porta que dava acesso ao quintal da casa. A
chuva estava forte. Quando chegamos à porta, hesitei e resolvi observá-la,
mesmo diante das repetitivas convocações. Ela, entretanto, correu ao encontro
da tão idolatrada precipitação e promoveu uma das cenas mais belas que já vi: aos
pulos, como uma criança, sorria tão espontaneamente e me olhava com tamanho
brilho nos olhos que, em alguns poucos segundos, fiquei estático, maravilhado. Nunca desejei tanto ter uma câmera fotográfica em mãos, nunca tive tanta
certeza de que a amo e do quão grande é esse amor como naquele instante. Os
sentimentos em mim transbordaram ao vê-la ali desfrutando algo tão simples
que a vida nos proporciona e com tamanha felicidade. Alegria, sinceridade,
inocência, beleza, plasticidade, simplicidade e requinte não faltaram àquela
cena.
Desejei ver aquele espetáculo pelo resto dos meus dias, desejei que a
tivesse comigo para sempre, desejei beijá-la eternamente. Emocionei-me, mas não
dei a ela a oportunidade de perceber. Também fui à chuva, mas esta cessou
logo, o que não me permite julgá-la mal por ter sido precoce. Afinal, mesmo sem
o devido registro, ela já havia me proporcionado uma cena que está fotografada
mentalmente e para sempre estará como um dos mais belos quadros na parede de
minhas memórias.