Inesperado

on sexta-feira, 30 de abril de 2010
A surpresa pelo inesperado, pelo, antes, impossível
Nos abate implacavelmente com seu arco sobranceiro
A atemorizar, até mesmo, a vileza do carcereiro,
Quem vigia as nossas recônditas vontades sob um Véu

Delicado, leve, tímido, sem demonstrar o seu fel,
Que só é descoberto e atingido pelo olhar certeiro
Do, controlado, estático e espantado, Arqueiro,
Quem, precisamente, descortinou e provou do mel.

Como as feras, agora, trêfegas, controlar?
Será possível mantê-las calmas e acorrentadas?
Até onde quer, do maduro e pesado Véu, o desenrolar?

O que vemos são somente, imagens policromáticas seladas
Com as quais, diariamente, convivemos a pendular
Entre as condições reais e oníricas, cuidadosamente, cerradas.

Só Elogios

Só Elogios não guiam, não exibem!
Só Elogios não constroem, não ajudam!
Só Elogios não acertam, não saúdam!
Só Elogios, talvez, apenas inibem!

Só Elogios fazem-me acreditar que está bem.
Só Elogios fazem-me pensar: “me acudam!”.
Só Elogios, de quem vocês pensam que cuidam?
Só Elogios, o que, deveras, suas palavras sabem?

Só Elogios, estou cansado de dizê-los.
Só Elogios, de tanto dizê-los estou fatigado.
Só Elogios parecem não querer conte-los!

Só Elogios, espero que tenham mudado.
Só Elogios, espero que entendam meus apelos!
Só Elogios, apresento a vocês o Enfado.

Cansaço e Sonho

on sábado, 24 de abril de 2010
Quase sempre encaro esta situação
Sobre a qual já disse em textos anteriores
O quão grande é o penar das dores,
O cansaço, o saber da inibição.

Tão pérfida chega a ser tal inibição!
E o cansaço? Deveria se encher de temores.
Assim, quem sabe, cheio de horrores
Não desapareceria de nossas vidas então?!

Ah! Como seria agradável sentir
A leveza advinda de sua ausência.
Como seria agradável consentir

Este transpassar bondoso da carícia
Que em nós, sem cobrar, sem mentir,
Derrama, gentil, o líquido vital que propicia...

... Ao homem, o prazer, o sonho, o sono.
Quando quererás voltar desta viagem
Repleta de desejos, realizações... miragem...
Quando quererás pousar deste vôo... eterno?

Infelizmente, não é suficientemente terno
A ponto de nos ceder os louros da aragem
Sobre a qual, diariamente, laboram, agem
E produzem o Cálice para voltarmos ao terreno

O Sereno, o Espanto, nos surpreende
Com seu toque a deixar-nos suados, pálidos
Em uma atmosfera seca, fria, que prende.

Mesmo livrando-nos do atordoar calados,
Perguntamos, quiçá, se isto não ascende
O ímpeto, a coragem, agora... afogueados?

Saudade

on terça-feira, 13 de abril de 2010
Sob um Céu preguiçoso, indeciso
Entre as gotas de chuva e o clarão do sol
Caminhei meio sem rumo com o Sorriso
Em um asfalto, falso, com o Lençol

Que cobria impiedoso as intenções
Vacilantes e titubeantes
Perante as escancaradas insinuações
Das naturezas errantes

Nas quais mergulhava,
Tímido e trôpego,
Para saber, curioso, como se originava
O coração altivo, curto e cego.

Por mais que eu insista,
Não consigo descobrir
O coração sobre cuja pista
Teimo pisar, explorar... cobrir

Eu vou com o Lençol, manchado
De um vermelho capcioso, forte,
Que tentava dizer, fraco, pesado
Aos homens sem sorte:

"Não verás nem a chuva nem o fulgor do sol
Nem os homens a confessar sob a tempestade.
Verás esta fisgar certeiro com seu anzol
As almas ébrias do itinerário da Saudade".

Descubra

on sábado, 10 de abril de 2010
Moramos na posição de confronto. A minha casa olhava a dele, sempre, séria. E a dele, para não perder nessa disputa, retribuía o olhar desafiador. Nas duas havia um pequeno jardim que separava a porta de acesso à sala da portinhola do muro baixo e sem proteção, cuja função era apenas a de dar a falsa impressão de segurança. E era próximo desta portinhola que me sentava diariamente, na calçada, numa cadeira preguiçosa, a observar os transeuntes. Contudo, intrigava-me o garoto da casa da frente. Diria que tem a idade dos indivíduos imberbes, insanos, indomesticáveis, indomáveis. Indomáveis? Equivoco-me neste ponto. Se fossem isto, não se submeteriam às ordens dos seus progenitores e fariam o que lhes dessem vontade. Poderiam até mesmo sair das regras caseiras para viverem suas próprias. Suas próprias? Lamento dizer-lhe que não poderá alcançar isto enquanto vivermos nesta sociedade regrada. Pois é, voltando ao que realmente interessa. Desculpe-me, às vezes perco o foco. Acredito eu que seja normal. Sim, continuando sobre o garoto. A única coisa sabida por mim é o fato dele ser filho único.

Vou cedo lá para fora, por volta das seis, ver os estudantes, os pais, os trabalhadores, os mendigos e você passarem. Procuro observar cautelosamente cada um e imaginar. Devaneio muito. Levanto diversas suposições de como será a vida de tal indivíduo. É... eu sei que não tem como eu saber meu caro, minha cara, mas é divertido. O tempo passa um pouco mais rápido do que de costume, ou mais lento. Isto vai depender de como você quer que o tempo passe. Sinto-me um pouco poderoso por ter a leve sensação de controlá-lo. Dentre todos os passantes, aguardava ansioso ele, o garoto. Achava estranho. Por que passava a maior parte do meu tempo levantando aquelas suposições sobre ele? Talvez fosse seu jeito de vestir-se, o jeito de andar... não, não. Não é isso. As características externas não são os fatores mais determinantes neste caso, já que ele é simples, sem estilo. Via-o sempre sério, sem expressão, sem emoção. Da mesma maneira que saia de casa, entrava na casa. Todo dia era igual. Jamais escutei alguma discussão vindo da sua casa. Quiçá, não gostava de ir muito longe.

Seus pais... nunca os vi. Certo dia, cheguei a pensar que o garoto morava só. O que me fez ter certeza que não, foi o carro daqueles saindo do lar aparentemente, incessantemente tranqüilo. Uma vez imaginei o carro como sendo o representante dos pais, mas logo retirei tal pensar, pois eles não seriam indiferentes com seu filho, ou seriam? Esse mundo é tão louco... vai que ele, o carro, não seja indiferente, e sim afável. Uma vez, eu vi-o usufruir do veículo, mesmo não tendo a carteira de motorista. Queria de alguma forma chamar a atenção dos seus colegas e amigos distantes. Seus inimigos eram mais seus amigos do que os próprios amigos, pois eles, sem nenhum ressentimento e medo diziam o quão ridículo era o carro, o quão insignificante era a sua atitude impensada. Eles eram sinceros, seus inimigos, e ele, o garoto, não sabia disso. Deu-me vontade de chegar até ele e dizer, mas preferi ficar no meu posto de observador. É melhor que a vida e o tempo mostrem a ele o que sua cega e insensível alma não consegue ver e sentir.

Certo dia, à noite, ao aproximar-se da portinhola do muro, parou seu caminhar, olhou para baixo e avistou seu cadaço direito desamarrado. Abaixou-se, então, para ajeitar aquele desalinhamento. Ficou olhando fixamente aquilo por alguns minutos após ter amarrado, provavelmente pensando nas horas, nos minutos ou poucos minutos que eles estavam naquele estado não uniforme. Achei deveras estranho, assim como ele devia me achar. Afinal de contas, da mesma maneira como eu o observava ele poderia me observar. Mas eu não quero me analisar. Tenho medo de descobrir que não sou quem eu realmente penso. Tenho medo de descobrir um humano insano e incrédulo por detrás dessa máscara perscrutadora de almas. Tenho medo de descobrir que não posso ver estas deveras. Tenho medo.

Teve um dia em que me encontrava na praça a analisar os transeuntes. Estava entediado com os mesmos tipos humanos com os quais me deparava na rua onde moro. Quis mudar, quis ver que grupos, que tipos iria ver na praça. Descobri, com isso, que o garoto ficava sentado num banquinho, lá, todo fim de tarde. Muito me intrigou tal reunião consigo mesmo, fazendo-me querer, de alguma forma, investigar sobre quais temas instigavam o começo da palestra frígida. Contudo, com esforço excessivo, logo desisti da idéia investigadora, tendo em vista que estaria desviando-me do caráter meramente observador. Preferi levantar questionamentos e destes ludibriar-me, embriagar-me. Era mais fácil. Não exigia de mim muito esforço. A única coisa a fazer era sentar, olhar e imaginar.

Continuei indo a praça. Também era a mesma coisa todos os dias, as mesmas pessoas. Vez ou outra surgia uma diferente das que estava acostumado a ver, mas sua presença parca não causava tanta interferência na configuração de pessoas que comumente freqüentavam a praça. A praça. Estava entediando-me com ela já. Não sabia para onde ir mais. Passava logo pela minha mente o tédio inevitável que surgiria em outro ambiente que não fosse a rua onde moro e a praça. Era triste sentir o peso da ociosidade e da previsão certa. Já não via rostos diferentes, mas sim rostos iguais, peças iguais, peças necessárias para se alocar em determinado ambiente e este lapidar da melhor forma.

Comecei a ter minha visão entorpecida. O garoto, para mim, não era um garoto; a casa não era mais uma casa; o carro não era mais um carro. O que era o que? Como posso não saber se a única coisa boa que faço é analisar os movimentos circundantes? Será que observava corretamente? Será que tinha conhecimento de mundo suficiente para bem interpretar aqueles movimentos? Você tem alguma pergunta ou sugestão meus caros? Não venha me dizer o tão conhecido conselho: “viva, saia dessa vida parada!”. Se viver é sair por aí fazendo coisas boas, coisas de sua vontade, então nunca vou viver de fato, já que a minha vontade estará sempre submetida a outras vontades. Talvez esses pensamentos e indagações não tenham validade alguma. Talvez estejam presentes num sonho que logo vai acabar somente.

O garoto, certo dia, fez-me a seguinte pergunta: por que não vive?

E eu respondi: e você vive?

Ele respondeu: se não vivesse, estaria morto.

Eu respondi: então estou morto?

Ele respondeu: descubra...

Comecei a olhar em minha volta. Não havia nexo no que via. Era tudo muito confuso. O garoto disse que eu estava morto. Se estou, então todos estão, já que ninguém tem a coragem de viver a vida que gostariam de viver. Ninguém não. Seria melhor dizer: são poucos aqueles que conseguem ver a trilha da verdadeira vida...

O despertador tocou. Acordei atônito. O quarto estava desarrumado. Fiquei alguns minutos com os olhos fixos no teto. Quem era esse garoto afinal?

Ao levantar-me, senti como se tivesse renascido. Senti a necessidade incontrolável de realizar ações presas dentro de mim. Decidi soltar as minhas vontades sem preocupar-me com as conseqüências. É simplesmente viver. Espero conseguir...

E o garoto? Devo agradecê-lo? Será que acordei para a vida ou será que a vida me acordou para a morte?

Descubra...