Um momento liberto
Flor de Lótus
Até então, era o que conhecia em você. Infelizmente, meu acanhamento bloqueou a porta que dava acesso a um corredor que me levaria a sua casa tão repleta de sentimentos. Na medida em que o tempo foi passando, o bloqueio foi enfraquecendo até que finalmente sucumbiu. O segundo ano foi o período de desbravamento do sombrio corredor. Por onde eu passava, iluminava com minhas sinceras brincadeiras. Pelo menos eu tentava, afinal, essa minha seriedade exacerbada... Fui descobrindo e ainda tento descobrir, aos poucos, o que a deixa feliz, o que a afligi; fui sentindo parte de suas ânsias, de suas angústias, de suas reflexões sobre a vida presente e futura. Corro, ainda hoje, incansavelmente o infindo corredor parcialmente clareado, que jamais chegará à casa, pois os seus sentimentos são nômades, inconstantes, indetermináveis.
Você, para mim, é uma flor de lótus, que nasce pura e imaculada nas primaveras orientais em águas lodosas. A sua beleza é grandiosa e será guardada cuidadosamente na minha estufa de emoções. Ter conhecido você foi, é e sempre será de elevado regozijo. Tudo o que vivi, vivo e viverei com você será majestosamente segurado e selado por mim em meu humilde baú de memórias.
Ele
É impressionante sua organização, o quanto é assentado, aprumado, lânguido. É tratado com todo zelo, carinho e amor. Temo que muito mimo provoque uma sublevação. Vê-lo limpo, ajeitado, perfumado deixa os meus olhos felizes e saltitantes como uma criança que acaba de receber um presente, como um homem cuja visão, distraída, focaliza a sua companheira que o acompanhará no amor e na doença até a hora derradeira.
Que volúpia! A ordem mantida sobre ele é constante. Faz-me lembrar dos militares que, firmes, comandam, preparam e alinham suas tropas para a resolução de alguma missão. Contudo, são inferiores a majestosa presença dela, da mulher que sobre ele impõe rigidez severa e exige-se mais bela e objetiva. Dirige sisuda sua guarnição, diferente de qualquer oficial das forças armadas. Pode-se dizer até que não pertence a nenhuma destas. É diferente. A uniformização e a tez de seu subordinado possuem cor única: o amarelo. Dotado de polidez e brio inigualáveis, constatado na sua condição inerme, ele obedece-a sem retrucar, eternamente mudo. Apenas aqueles seres armados, ainda, na sua maioria, tradicionalmente machistas, não acatam as ordens e não aceitam a posto sobranceiro dessa comandante. Debalde relutam. Um e outro militar, assim como o grupamento amarelo, seguem voluntariamente as ordens emanadas com voz meiga, respeitada, branda.
Altaneira, ajeita as filas, as colunas, a frente, a retaguarda. Quando ele, tácita e involuntariamente, desobedece uma ordem, ela, silente, grita: “Não quero vê-lo deslocado, e sim bem colocado, bem claro feito o crepúsculo vespertino para que o fulgor chegue suave à visão de quem nos admira”. Ela não aceita o caos. É firme, é forte. Ela impera altiva de sua cadeira circundada de aura gentil e sóbria. Imponente, quase uma deusa, intocável, arruma cuidadosamente ele: seu belo, longo e loiro cabelo.
Mulher Querida
Sim, sinto sua falta. Contudo, não saberia responder o porquê de você senti a minha. Agora mesmo, penso
Ato Nobre
Utopia?
Mãos de Deus
Virada de ano
Jorginho era o nome dele. Dele quem? Do estudante de cursinho que já estava de férias há um mês e a única coisa que fazia era ler e falar com os amigos pelo computador. Dia 31 de dezembro, véspera da virada de ano, estava ele a digitar no "msn" algumas palavras para com seus amigos. Poucos se encontravam conectados, pois eles deveriam estar divertindo-se em algum lugar com a família, estar na beira-mar aguardando no meio de tanta gente os fogos de artifício que iluminariam o céu enegrecido pela noite.
O tédio pouco a pouco tomava conta de seu corpo, de sua mente, e uma vontade muito grande de sair naquele dia corria em suas veias. O seu coração bombeava litros e mais litros de sangue que faziam seu corpo agitar por dentro. Seus órgãos internos passaram a produzir substâncias até então desconhecidas por muitos cientistas renomados em todo o Mundo. A libidinagem, a esperteza, que não era característico dele, e a vontade de sair do ócio eram uma das substâncias. Sentado em frente ao computador, cabisbaixo, refletia sobre os possíveis lugares para onde poderia ir. Eram vários. Não conseguiu sozinho decidir-se e então resolveu ligar para alguns amigos. A maioria destes estava com o celular desligado, e os que atendiam localizavam-se em casa com a família. Após muito tempo, lembrou de um amigo próximo, que morava perto de sua casa. Foi só lembrar. Escutou batidas na porta e ao abri-la se deparou com ele.
Todo ano, Emanuel dirigia-se até a casa de Jorginho para rangar a deliciosa comida (era a única do ano) preparada pela madrasta. Havia bolo com cobertura de leite condensado salpicado com alguns grânulos adocicados e coloridos, torta de frango, entre outras coisas. Aproveitando a presença do amigo, Jorginho fez-lhe a proposta de sair para algum canto antes da zero hora. O amigo, liso feito uma enguia, disse que não dava, frustrando Jorginho.
- Cara, agente pode descer – disse Emanuel pouco animado
- Mas quem ta lá em baixo?
- Tem uma galera aí...não ta lá essas coisas, mas da pra tentar se divertir – titubeou manozo, como era chamado carinhosamente por Jorge.
- A minha vontade era de sair mesmo, mah!
- Mas agente vai sair pô, vai não?
- Vai, mas não é de verdade... Ah! tá certo, eu vou.
Arrumou-se aprimoradamente, parecia que ia para uma grande festa repleta de pessoas, principalmente mulheres. No entanto, ao contrário do que imaginava, viu-se diante de uma quantidade irrisória de condôminos, maioria homem, e as mulheres que tinham eram velhas cansadas e casadas. Não saiu de casa, e sim do apartamento. Acabou que ficou sem fazer nada. Quer dizer. Ficou conversando com manozo no salão de festas: a garagem desocupada.
Deixe a preguiça de lado!
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